🎵 🪱Parem as máquinas! A trilha sonora de Duna! A trilha sonora de Duna! Só para tudo na sua vida pra ouvir a trilha sonora de Duna!
Minha irmã tem um sorriso específico toda vez que começo a falar sobre um assunto que, segundo ela, é minha obsessão da vez. Ela ri da minha cara e me escuta ainda por cima, coitada, falar das coisas pelas quais eu me empolgo com uma paixão que durante um tempo eu tive vergonha, mas que hoje só entendo como parte de quem eu sou. Como diria a Natalie Wynn do ContraPoints: “I like things too much.”
É óbvio que eu ia ficar obcecada por Duna. Quem é que achou que não? História grandiosa, culturas complexas com elementos espirituais, problemática do cliché do escolhido, narrativa imersiva. Tem um deserto, gente. No bingo “Obsessões da Melissa”, isso aqui fecha a carreira toda. E como não é justo eu ficar falando sobre isso intensamente só com as pessoas próximas, chegou a hora de vocês ouvirem também. A gente tá aqui pra isso, né?
Antes de mais nada sim, eu já li o livro do Frank Herbert. E sim, eu gosto mais dos filmes. Podemos falar das minhas potenciais heresias depois, ok? Porque o assunto aqui vai ser um aspecto que me arrebatou desde o primeiro filme: a trilha sonora.
Quando começou aquele batuque na abertura do filme, meu coração já disparou. Na primeira cena, enquanto a voz de Zendaya nos conta um pouco sobre Arrakis, duas coisas acontecem na trilha sonora: uma pulsação leve soa nas imagens da paisagem e barulhos de máquinas e tambores intensos surgem nas imagens de luta. A pulsação leve começa a ficar mais intensa. Um coral no fundo começa a cantar de forma perturbadora. A música nos diz que aquele é um mundo de conflito e nos mostra as diferentes vozes dentro dele. A trilha sonora é um elemento narrativo. E é do Hans Zimmer, claro.
Para quem não conhece o Hans Zimmer, ele é o compositor de trilhas de filmes como Interestelar, A Origem, Gladiador, Piratas do Caribe e a trilogia Cavaleiro das Trevas do Nolan. Sem formação em música clássica, ele frequentemente mistura música eletrônica com arranjos de orquestra. Algumas pessoas amam. Outras odeiam. Nas lendas da internet, as pessoas dizem que ele tem sinestesia, ou seja, vê cores a partir de sons e vice-versa. Algumas falas dele parecem corroborar essa ideia.
Em Duna, um livro que muitos consideravam inadaptável, a música se tornou um elemento para sair do lugar comum. Em uma entrevista para a Vanity Fair, Hans Zimmer fala sobre as trilhas de filmes de ficção científica:
Por que todos esses filmes de ficção científica têm orquestra europeia? Com sons orquestrais, tonalidades do período romântico neles? Nós supostamente deveríamos estar em um planeta diferente, numa cultura diferente. Nós deveríamos estar no futuro.
É só pensar na trilha de Star Wars, Star Trek. Trilhas icônicas, obviamente, mas que não refletem a estranheza do mundo que apresentam. Pelo contrário, elas nos trazem para muito perto de casa (no ocidente, claro). Em Duna, existe mais experimentação com diferentes sons, de diferentes culturas. Os músicos que trabalharam com Hans Zimmer criaram novos instrumentos para atingir tonalidades e notas diferentes dos instrumentos tradicionais europeus. Usaram diferentes técnicas de captação de som, criaram sons eletrônicos e distorções específicas usando a tecnologia.
Assistir Duna - Parte 2 em uma tela IMAX depois de anos sem ir ao cinema foi arrebatador. A experiência sonora, especialmente a trilha, é uma coisa que não dá pra explicar. O som vibra dentro da gente. São tantas camadas e texturas da música para explorar que a gente sente que estamos mesmo em Arrakis. A trilha do segundo filme resgata as melodias, sons e temas do primeiro, e reelabora a partir das mudanças que essa história traz. A melodia que acompanha Paul está diferente porque Paul mudou e essa mudança que aconteça na tela, no roteiro, vai se fazendo também de forma sonora, às vezes hesitante, às vezes incisiva.
Isso me fez revistar a trilha do primeiro filme, especialmente o The Dune Sketchbook (Music from the Soundtrack), que o Hans Zimmer define como “explorações musicais imersivas e estendidas” da trilha do primeiro filme. É lá que está a famosa “Paul’s Dream”, conhecida pelos vocais poderosas de Loire Cotler. E sim, você sabe do que eu tô falando: é aquele aaaaaaah eeeeeeeeeeh oooooooooooh iiiiiiiiiiiiih aaaaaaaaaaah.
Mas o que mais me chamou atenção nesse álbum foi “House Atreides”.
A música começa como uma canção de ninar. Uma voz feminina, suave, nos leva para o lar, o local seguro, a família, a inocência da criança. De repente, tudo vai mudando para um arranjo marcial de gaita de fole (em que a melodia principal, na verdade, é tocada por uma guitarra com efeito) entrecortado por distorções. A melodia marcial vai se repetindo, insistente, contra esses efeitos distorcidos. A coisa toda vai num crescendo, se reiterando, aumentando, até que as gaitas de fole se calam. Sabemos o que acontece com a Casa Atreides.1
O final da música retorna a um som suave, acompanhado por um vocal feminino íntimo e melancólico que recupera, em alguns momentos, a melodia da marcha de forma sutil. Mas não há mais o conforto inicial, só tristeza misturada a uma certa ferocidade. Marcas de guerra.
É música que nos tira do chão. Deixa nosso coração vulnerável. Fala de um mundo estranho e de nós mesmas.
Outros arrebatamentos:
🖵 Assisti o vídeo “O Imaginário Fascista na Cultura Pop: é possível escapar?” ano passado, mas ele tá na minha cabeça até hoje. Aparece como referência em conversas aleatórias e em aulas. Isso aqui é 45 minutos de vídeo. É brutal. O Thiago Guimarães, do canal Ora Thiago, responde a pergunta primordial de todo fandom desde os tempos bíblicos: essa obra é problemática ou o problema são os fãs? De uma forma super acessível e didática, ele vai discutir porque alguns filmes/livros/séries atraem fãs ultra conservadores mesmo quando o conteúdo/tema é contracultura/revolucionário/contestador. E não, a resposta não é o simples “essa galera não sabe ler.” Tem um buraco e ele é mais embaixo. Pare tudo, vá ver esse vídeo. Além do conteúdo, a edição é incrível e o senso de humor do Thiago é um dos motivos pelos quais eu pago internet.
📚 bell hooks é uma intelectual negra super acessível, que escreve para todes, numa linguagem que todes entendem. São livros pra vida. É uma daquelas autoras que faz a gente chorar lendo livro de não-ficção. Ela chega junto, te dá um abraço, conta uma verdade social arrasadora, faz uma reflexão que te tira do chão, e joga a semente da esperança. Uma qualidade rara que faz com que eu, leitora mega veloz, leia seus livros devagarinho. Sugestões de títulos: Tudo sobre o amor, Ensinando comunidade e Escrever além da raça. Prepare-se para ser arrebatade.
🌑 É Lua Nova, a terceira do ano. Parece que foi ontem que a gente tava aqui falando de ano novo lunar, né? Alguém por aí também tá sentindo 2024 escorrer pelos dedos?
Se você não sabe o que acontece com a Casa Atreides, assista o primeiro filme. ;) Não vou dar spoilers aqui.