🐺 Atualmente estou trabalhando em um conto sobre lobisomens.
O que mais me fascina ao pensar em metamorfos em geral, é imaginar como essas criaturas vivem na sua forma humana. Como é ser o humano que se transforma? Que durante parte de sua existência é uma outra coisa? Gosto de pensar no dia a dia desses seres, como preferem tomar café, no que trabalham, o que gostam de fazer nas horas vagas em que não são magicamente tomados por uma força sobrenatural e se vêm como um lobisomem, uma mula-sem-cabeça.
Como que é a rotina, o bullet journal, desse povo? Eu fico imaginando uma mulher lobisomem (uma lobasomem, uma lobismulher?) organizando seu Calendário Google, colocando as datas de aniversário dos amigos e família, os compromissos do trabalho e, mais importante que tudo, o aviso da lua cheia. Talvez use um app, daqueles que avisam “A Lua Cheia começa às 18:02”. Se eu tenho um desses, por que é que um lobisomem não teria?
Da minha geração, acho que o lobisomem mais famoso é o Remus Lupin, da série Harry Potter. Com um nome nada sutil, ele é um professor pobre e dedicado, que não consegue manter o emprego porque uma vez por mês se transforma em um monstro. Claro. Afinal de contas, o capitalismo não poupa nem os seres sobrenaturais. O personagem funciona para discutir a desigualdade e o preconceito no mundo bruxo (a gente deixa pra lá as leituras da própria autora sobre isso) e como mesmo uma sociedade mágica não dá abertura para o que foge da norma. Transformar seu cachorro em uma taça de prata é super ok, mas se transformar em lobo na lua cheia? Não, aí já é demais.
Os licantropos (nome chique para lobisomem) são parte do folclore europeu e os registros parecem vir da Grécia, com fortes indícios de que datam de ainda mais longe no tempo, das sociedades indo-europeias. Os mitos variam, mas a ideia principal, não: uma pessoa desenvolve essa habilidade/maldição ao ser mordida ou arranhada por outro lobisomem. Na Idade Média, junto com a caça às bruxas, tinha caça aos afligidos por licantropia, que costumava vir misturada com acusações de cavalgar ou andar junto com lobos (sim, as mulheres que correm com os lobos).
Com a colonização, o mito se espalhou pelo mundo e se transformou, feito o próprio lobisomem, ao morder e arranhar as histórias de vários povos. Aqui onde moro, no interior de Minas Gerais, o lobisomem tem uma confluência, por exemplo, com a figura da mula-sem-cabeça: uma mulher amaldiçoada porque se relacionou com um padre. Em algumas noites, ela paga pelo pecado que cometeu e se transforma numa besta, onde, no lugar da cabeça, ficam chamas.
A lua é importante nesses mitos de metamorfos. É quase sempre na lua cheia que a transformação acontece. Por que a lua? (lá vou eu de novo falar da lua) Bem, em diversas culturas ela simboliza o tempo cíclico e a lua cheia, especialmente, vem associada a ideias de revelação. Vamos imaginar as sociedades pré-eletrecidade: a lua cheia tornava visível a noite escura. Por 7 dias, dava para ver melhor o contorno das coisas depois que o sol se punha. Na lua cheia, principalmente quando ela já estava alta no céu, por volta da meia noite, dava para ver o monstro como ele é. O humano que não é totalmente humano.
Mas durante três semanas essa criatura é humana. Antes e depois da chegada da lua cheia, a pessoa metamorfa está andando por aí, pagando seus boletos. No entanto, humanos são obcecados pela categoria humano. Em definir o que é e o que não é humano. Dizemos o tempo todo que outras pessoas não são humanas o suficiente para ter direitos. Morremos de medo de produzir algo artificialmente que possa ser considerado humano. Não queremos outras formas de vida que se pareçam com o que é humano. Queremos achar que o humano é único, especial, algo que deve ser protegido a todo custo, que nunca deve se transformar.
A transformação assusta. E se isso que chamamos de humano, que guardamos tão bem guardado que às vezes nem entendemos o que é, mudar? Nem que seja por um segundo? Nem que seja na lua cheia?
Vamos chamar o quê de humano?
Vamos chamar de quê?
Depois volto pra falar mais do meu conto para vocês. ;) 🐺
🎥 Esse fim de semana, assisti a versão para TV de Duna Parte 1. Estava na casa dos avós do meu esposo, onde a TV aberta fica ligada quase o dia todo. Nesse domingo, passou Duna na Temperatura Máxima (sim, aparentemente ainda existe) e achei que seria uma ótima oportunidade para rever o filme antes do lançamento da Parte 2 no cinema. Os cortes fizeram um resumão das duas horas e meia e ficou uma versão meio esquisita, é verdade, desse que é um dos meus filmes favoritos.
📚 Dar aula de literatura é sempre uma ótima forma de rever clássicos. Dessa vez tive que reler, A utopia, de Thomas Morus. É daí que vem a origem do termo para dizer de uma sociedade que é melhor que a nossa. Mas a utopia de Morus é um lugar esquisito para nós de 2024. Apesar da jornada de trabalho de 6 horas ser uma ótima ideia, a mão de obra escrava e a subordinação das mulheres na vida pública nos faz revirar os olhos. Bom pra gente pensar que nosso pensamento utópico depende muito do lugar histórico que ocupamos.
🎵 Depois que Taylor Swift ganhou o quarto Grammy de Álbum do Ano por Midnights, um recorde histórico, decidi escutar novamente o álbum. Ainda acho que é muito bom, mas não sei se concordo com esse Grammy. A Taylor tem álbuns melhores. Tá aí meus dez centavos pra polêmica da vez.
🌕 É Lua Cheia, a primeira dessa lunação do ano novo! É hora dos novos começos, novas ideias e novos projetos aparecerem e brilharem no mundo. O que vocês têm feito por aí?