🎨 Quando converso com os amigos e amigas escritores, artistas, criativos em geral, a vibe é sempre: as penúrias da criação. A página em branco, o bloqueio criativo de três meses, os prazos curtos para terminar um projeto, o sofrimento de sentar e escrever, o calvário da revisão, da edição, pelamor, como é difícil sentar e fazer qualquer coisa. E depois ainda tem que divulgar. Mas, e a esquecida alegria de criar?
A sensação de entrar num flow total, de sentir que de repente estamos dentro e fora do que estamos criando. A empolgação de se sentar para escrever uma ideia nova. O sorriso besta quando sabemos que estamos no caminho certo. As risadas, às vezes solitárias, mas cheias de satisfação. A alegria. O que provavelmente nos fez entrar pra esse caminho.
Falar dessa parte prazerosa do processo criativo não é tão pop. Temos livros e livros, vídeos e vídeos no Youtube, sobre como superar os problemas da criatividade. Mas falar sobre a alegria? Não. Na verdade, até pega mal. Afinal, para criar é preciso sofrer.
Estamos acostumados a ver arte em geral como algo concebido no sofrimento. Algo doloroso. O imaginário romântico (sim, aquela galera do século 19) nos assombra culturalmente e ainda pensamos em escritores, pintores, músicos e artistas no geral como seres atormentados por algo maior que eles (nem vou entrar no mérito do porque são sempre eles). Gênios criativos deprimidos, jogados na sarjeta, sofrendo enquanto criam a maior obra de arte de todos os tempos.
Olha, eu sou daquelas que gosta da literatura dos românticos, especialmente os ingleses. Tem alguma coisa sobre a relação com a natureza, sobre a grandiosidade da vida, sobre a permanência da arte nessa galera que me atrai muito. Fora que a ideia de ir viver uma vida bucólica na beira de um lago com amigues artistas é bem legal.1 Mas a noção do gênio incompreendido em perpétuo modo emo já deu.
Só que somos bombardeados com essa ideia. Pensa nos filmes Whiplash, Cisne Negro, Amadeus e Trama Fantasma. Pensa nas representações de artistas que temos na mídia. No Kurt Cobain, na Amy Winehouse. Na ideia de que se deve dar tudo pela arte, abrir mão de mundos inteiros, todas as pessoas, colocar a arte acima de qualquer coisa e sofrer. Principalmente sofrer. E não sofrer pouco, sofrer muito e sozinha, porque só daí vai vir algo grandioso.
Isso é uma construção, minha gente. Uma invenção. Dos românticos. Nem sempre o imaginário do artista foi assim. No entanto, esse é um mito que se encaixa bem com nossa sociedade capitalista mega focada na individualização. E sim, podemos transformar traumas em arte, mas isso não quer dizer que se deve viver perpetuamente revivendo e recriando traumas para criar. Um trabalho criativo não é inerentemente melhor porque foi concebido no sofrimento.
E se a gente pensar que a arte vem da alegria e não do sofrimento? Afinal, foi o prazer, a alegria de criar que nos fez sentar para escrever, compor, pintar, fazer macramê pela primeira vez. Nós, humanos, iniciamos as coisas porque elas geram serotonina/dopamina no nosso cérebro. Em algum ponto do processo, criar nos faz extremamente felizes.
Mas não é tão legal falar disso. Até porque o foco no sofrimento ajuda a dar valor a algo que, socialmente, não tem muito. Já que ninguém dá valor à arte, talvez seja melhor dizer que foi muito sofrido fazer. Talvez as pessoas prestem mais atenção assim, nem que seja por pena, por masoquismo meritocrático. Se dissermos que algo foi criado na alegria, talvez essa coisa tenha menos valor.
Entramos então em um ciclo vicioso em que só falamos do quão difícil é, de como não está fluindo, como é difícil demais fazer qualquer coisa e como bom mesmo era a época em que a gente escrevia fanfic.
E por que a gente escrevia fanfic? Porque era bom. Era um lugar de alegria. Só que focar na alegria de criar é terra desconhecida. Não tem mapa, não tem referência. Talvez as pessoas nos rejeitem, nos desprezem, nem queiram mais ver o que a gente produz. Sofrer é ruim, mas pelo menos tem cases de sucesso.
E eu fico pensando: que tipo de pessoa eu vou ser se falo que sou feliz se eu criar? O que as pessoas vão dizer? Vou estar traindo o movimento? Ou só virando uma gratiluz da vida criativa que co-manifesta uma realidade feliz?
Bem, eu não sei. Só sei que cansei de ser emo.
Medos:
📚 Ano passado li um dos livros que mais me deu medo em toda minha vida: Aniquilação, de Jeff VanderMeer. Não, não é terror gore, não é nada disso. É um pavor existencial que não consigo colocar em palavras. Eu lia e lia, e aquilo me dava uma angústia, uma sensação corporal congelante, mas eu queria continuar lendo. Não conseguia parar. Foi uma das leituras que mais me impressionou na vida. Aniquilação narra a entrada de quatro mulheres na área X, um local tomado por uma natureza mutante. Essa é a 12ª expedição e todas as anteriores falharam. Pronto. É isso que vocês precisam saber. É uma daquelas leituras que quanto menos coisa prévia a gente sabe, mais impactante é.
Esse livro eu li quando participei do Filamentos, uma iniciativa incrível da
, que traz encontros para discutir as interseções entre literatura e ecologia. Recomendo muito participar. A Ana, que é uma querida e extremamente competente, conduz tudo com muita qualidade. O Filamentos 2024 está aberto.🖵 Ficção. Desejo. Fantasia. Poder. Morte. Identidade. Quer ansiedade maior do que a possibilidade de abalar essas estruturas? Bem, é isso que a youtuber Natalie Wynn faz em seu vídeo mais recente: Twilight. Sim, usando a obra de Stephanie Meyer como ponto de partida, vamos para uma jornada de quase três horas questionando nada mais, nada menos, que sexualidade, masculinidade, feminilidade e os desejos que perpassam essas coisas.
Definitivamente não! Essa video essay alugou um triplex na minha cabeça e preciso espalhar a palavra. Está em inglês.
🌕 Lua Cheia no céu. Já deu uma olhadinha nela hoje? De qual janela da sua casa dá pra ver? Ou tem que ir pro lado de fora? Me conta e me fala da sua alegria de criar.
Como eu não consigo não ser professora de literatura, vou recomendar que vocês leiam os poemas do William Wordsworth, um cara que literalmente foi viver com os amigos artistas perto de um lago. Se até a Taylor Swift fez referência a essa galera, eu posso também sem soar pedante.
que texto refrescante 🌊